quarta-feira, 22 de maio de 2013

Uma forma para Otávio

V

Quero falar das mãos de Otávio. As mãos de Otávio são angulosas, de dorso trapezoidal e veias saltadas. Sempre que as move, vejo o pulsar delas e o calor que delas dissipa. Mãos com dedos longos e de pelos adensados sobre cada falange. Sua palma desenha um M perfeito, o que significaria para a cigana um homem de personalidade forte. Seja lá o que for “um homem de personalidade forte”. Interessa-me mesmo o próximo movimento, o próximo objeto que tocará e o que com ele fará. Meus olhos estalam para aumentar a atenção, a ponta da minha língua lança-se para umedecer os lábios desejando ansiosa que o próximo objeto seja meu rosto e todo o resto do meu corpo.

Uma forma para Otávio

IV

Não que o fato de eu ser mulher me impeça de fazer isso. Abrir compotas também é trabalho de mulher. Mas perto dele, gosto de me sentir frágil, para lhe pedir esses favores bobos. Mas Otávio entende, e gosta disso. Abre a compota de figos, entrega-me o vidro com um beijo me chamando de “minha mulher”. Vivemos em regozijo.

Uma forma para Otávio

III

Ele me liberta. Otávio me liberta porque já é livre. Otávio é o tipo de homem que nunca fora mantido em cativeiro, nem nunca fora vítima dos limites de seu próprio corpo. Otávio usa seu corpo como os livres pensadores o usam, como instrumento de vida. Fortifica os músculos para carregar as minhas sacolas, para trocar os móveis de lugar e fazer da nossa casa um pouco mais agradável a cada dia.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...