domingo, 4 de setembro de 2011

para entender o porquê te deixei quando te possuí por completo sem beijo de despedida


Uma amiga minha se escandalizou quando o comparei com um defunto enredado. Disse a ela que não era renda, era tule aquilo que lhe envolvia. A verdade é que para entender o porquê te deixei quando te possuí por completo sem beijo de despedida, eu preciso dá-lo como morto, como me foram dadas todas as pessoas que amei, embrulhadas num caixão com tule e crisântemos. Talvez ela nunca tenha perdido alguém para a morte, e no beijo de despedida tenha aspirado perfume, parafina e tule. A verdade é que tenho que ir até o nó do corpo do morto para te explicar isso. É que desde que perdi minha avó aos 12 anos, eu nunca mais beijei defunto, nem toco nas mãos persignadas sobre o peito, porque o frio do morto é de uma frigidez inóspita.
 
O caixão estava assentado sobre as tábuas apoiadas nas laterais da cova. O coveiro participando de tudo, mas alheio, apenas esperando a hora de submeter o corpo, depois ir embora. Trabalho é trabalho, só choro pelos meus. No mais, as tristezas carpideiras de sempre. Os familiares para darem seu último adeus. Eu também era parte da família, e hierarquicamente, os filhos foram derramar suas lágrimas. Depois os netos. Eu também era neto. Um por um se foram, com suas lágrimas e seus beijos. Quando chegou a minha vez não queria beijá-la por nada, primeiro pelo medo de me apoiar no caixão e resvalar nas ripas de madeira, e com elas cair também. Depois, as gotas dos que a beijaram reluziam ainda no seu rosto, juntando a isso, a sensação gélida que poderia me enjoar o estômago e vomitar sobre o corpo. Porque me julguei mesquinho, fui contra o que sentia, e pela primeira vez fui falso. Aproximei-me trêmulo, olhei para o rosto plácido dela, no qual os lábios apresentavam-se crispados, atochados para dentro das gengivas. Beijei a face dela. Misto de água, sal e frio inundaram minha boca, e como que engolido por tudo aquilo, não havia minhas lágrimas senão a dos outros, não havia dor senão o terror que desde então me consome quando falece alguém. Depois da minha avó, nunca mais beijei nenhum defunto, nem minhas duas outras tias que morreram posteriormente.

(Não beijarei meus pais?)

Por último, você me pediu um último beijo, e se soubesse dessa história, talvez lembrasse que não beijo defunto há anos, e que isto não é falta de amor ou orgulho ferido, é medo de cair dentro do seu poço mais escuro, e correr o risco de viver para sempre dentro daquilo que se findou.

sábado, 3 de setembro de 2011

Para entender o porquê te deixei quando te possuí por completo


Agora que o vejo como deveria ter visto desde sempre, tenho o nojo que se tem ao sentir as patas do gato, frias e macias, como a pele de um defunto, a lhe pisar o corpo sobre a cama. E confesso que não é medo, mas estranheza tátil de beijar a pele de um morto, principalmente quando antes de sua pele, tem-se a renda com gotas de plástico. As flores de plástico com gotas me dão aflição de unha, vontade de rapá-las dali, de rapá-las a verdade abundantemente encharcada e refringente de suas pétalas. Mas isso só é verdade de longe, de perto é falso de tão plástico. De longe só não é falso o nojo de beijar-lhe a face gélida de morto, de onde ainda reside alimento para ofertar aos pelos da tua barba. E agora a sensação é de que sempre beijei tua barba antes do rosto, como se beija a renda antes da face morta. Como um filtro que não te permite atravessar, para que justamente não te assustes quando possuíres por completo a face. Exatamente para não lhe ter por completo e acabar por vê-lo como não queria vê-lo, e por fim tê-lo que deixar, porque por dentro eu já não conseguiria contê-lo.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Teu nome


Sem procurar, acabei descobrindo seu nome e conseqüentemente toda a vida que ele detém. Como se teu nome tivesse me vindo como uma fofoca captada nos corredores, e agora partilhasse de um segredo que nem tu sabias que era um segredo. Segredo que é a tua própria vida distorcida pelas explicações que os outros a dão, que às vezes denotam benevolência demais com as coisas terríveis, sendo que para as coisas boas, dignificam pouco mérito. E até que se revele pela sua própria boca, obrigo-me a guardá-lo, como um segredo que desconheço, para que nas portas do céu, possa me envaidecer diante de Deus e dizer que nunca matei pelas minhas mãos.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...